Populações mobilizam-se contra reforma do mapa autárquico

<font color=0093dd>Grande dia de luta em Lisboa</font>

Miguel Inácio (texto)
Jorge Caria, Jorge Cabral e Da Maia Nogueira (fotos)

Mais de 200 mil pes­soas ma­ni­fes­taram-se, sá­bado, em Lisboa contra a Pro­posta de Lei n.º 44/​XII – Re­or­ga­ni­zação Ad­mi­nis­tra­tiva Ter­ri­to­rial, que subs­titui o Do­cu­mento Verde –, já apro­vada na ge­ne­ra­li­dade, que pre­tende ex­tin­guir cerca de um terço das 4259 fre­gue­sias do País. Mo­mento sin­gular de luta, este pro­testo juntou a ale­gria e a de­ter­mi­nação de um povo em de­fesa do Poder Local de­mo­crá­tico, con­quis­tado com a Re­vo­lução de Abril, que, agora, a pre­texto das im­po­si­ções da troika, o Go­verno quer des­truir.

As fre­gue­sias são o pri­meiro grau do Poder Local de­mo­crá­tico

Image 10095

Do Marquês de Pombal ao Rossio des­fi­laram as vozes da­queles a quem, nas úl­timas dé­cadas, tem sido re­ti­rado o di­reito a uma vida digna, com o en­cer­ra­mento ace­le­rado dos ser­viços pú­blicos, com o au­mento dos im­postos e dos preços, com o corte nos di­reitos e sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores. Esta foi ainda uma ma­ni­fes­tação de de­fesa de va­lores, con­quis­tados e pre­ser­vados du­rante sé­culos, que não podem ser apa­gados da nossa his­tória. Daí a ri­queza cul­tural, et­no­grá­fica, de­mons­tra­tiva das raízes, da força e da afir­mação das fre­gue­sias, de Norte a Sul do País, que per­correu a Ave­nida da Li­ber­dade. Ali não fal­taram os ran­chos fol­cló­ricos, as fan­farras dos bom­beiros, as tunas se­ni­ores e aca­dé­micas, os bombos, os ca­va­qui­nhos e os grupos de cante alen­te­jano que, em 2013, se can­di­da­tará a Pa­tri­mónio Ima­te­rial da Hu­ma­ni­dade.

A tudo isto, num per­curso que se es­tendeu por vá­rias horas, Je­ró­nimo de Sousa qua­li­ficou de «im­pres­si­o­nante ma­ni­fes­tação de des­con­ten­ta­mento e de in­dig­nação». «É, de facto, uma con­de­nação po­pular muito forte, um sen­ti­mento de re­jeição in­con­tor­nável, pelo que o Go­verno devia aban­donar esta me­dida do pacto de agressão, res­pei­tando a von­tade das po­pu­la­ções», afirmou o Se­cre­tário-geral do PCP, lem­brando que as fre­gue­sias «são o pri­meiro grau do Poder Local de­mo­crá­tico».

«De­pois desta ma­ni­fes­tação nada fi­cará na mesma», as­si­nalou, de­fen­dendo que «qual­quer al­te­ração ad­mi­nis­tra­tiva tem que ser en­ten­dida de uma forma global, a co­meçar pela questão da re­gi­o­na­li­zação». «Não sei porque é que co­me­çaram [PSD/​CDS] pelo grau mais pe­queno, que não tem pra­ti­ca­mente custos para Es­tado», acres­centou.

No Rossio, onde de­sa­guou um «mar» de gente que não coube na Praça D. João IV, o pre­si­dente da As­so­ci­ação Na­ci­onal de Fre­gue­sias (ANAFRE) agra­deceu a par­ti­ci­pação dos «mais de 200 mil por­tu­gueses» que se ma­ni­fes­taram em de­fesa das fre­gue­sias. No seu dis­curso, pro­fe­rido en­quanto ainda muitos mi­lhares des­fi­lavam, Ar­mando Vi­eira, que nunca tocou na pa­lavra «Go­verno», fa­lando antes de «le­gis­lador», ga­rantiu que o ca­minho a se­guir não passa pela re­dução do nú­mero de fre­gue­sias exis­tentes. «Se os pro­blemas do País re­si­dissem nas fre­gue­sias, os eleitos, res­pon­sa­vel­mente e em missão ha­ve­riam de ab­dicar das re­mu­ne­ra­ções ou das com­pen­sa­ções para gastos», frisou, con­cluindo que aquela ma­ni­fes­tação foi, acima de tudo, «uma grande lição de força e de hu­mil­dade». A acção ter­minou ao som do hino na­ci­onal, com os ma­ni­fes­tantes a pro­meter «pela pá­tria lutar».

 

Pura chan­tagem

 

Na sexta-feira, quando já se previa que esta iria ser uma das mai­ores ma­ni­fes­ta­ções po­pu­lares de sempre, como de facto foi, o Grupo Par­la­mentar do PSD apre­sentou à ANAFRE uma pro­posta que atri­buiu às as­sem­bleias mu­ni­ci­pais «uma margem de fle­xi­bi­li­zação de 20 por cento no re­sul­tado global de re­dução de fre­gue­sias no res­pec­tivo mu­ni­cípio – só apli­cável à pri­meira pro­núncia da As­sem­bleia Mu­ni­cipal». Em jeito de chan­tagem contra a luta das po­pu­la­ções em de­fesa das suas fre­gue­sias, aquele par­tido, também ele res­pon­sável pela si­tu­ação que o nosso País atra­vessa, pro­meteu «au­mentar a bar­reira de­li­mi­ta­dora do nível um para mil ha­bi­tantes por qui­ló­metro qua­drado» (é ac­tu­al­mente de 500 ha­bi­tantes) e «au­mentar de três para quatro o nú­mero de re­fe­rência de fre­gue­sias por mu­ni­cípio em que não é obri­ga­tória a agre­gação de fre­gue­sias».

Na reu­nião com a ANAFRE foi igual­mente cla­ri­fi­cado que «o re­sul­tado de re­dução em cada mu­ni­cípio é global e que há fle­xi­bi­li­dade da As­sem­bleia Mu­ni­cipal para al­cançar o mesmo re­sul­tado com di­fe­rentes pro­por­ções», ou seja, o que é mesmo im­por­tante para aquele par­tido é re­duzir fre­gue­sias, ur­banas ou não ur­banas. A res­posta a estas pro­postas es­teve bem pa­tente em Lisboa.

 

Go­verno não res­peita a von­tade dos au­tarcas

 

Esta grande ma­ni­fes­tação co­meçou a ga­nhar forma em De­zembro de 2011, aquando da re­a­li­zação do XIII Con­gresso Na­ci­onal da ANAFRE em Por­timão, e foi anun­ciada no En­contro Na­ci­onal de Fre­gue­sias, que acon­teceu no dia 10 de Março, em Lisboa. Em ambas as ini­ci­a­tivas, os au­tarcas de todo o País con­de­naram a Pro­posta de Lei do Go­verno, uma vez que «não» pre­co­niza um mo­delo ade­quado à re­a­li­dade so­cial por­tu­guesa, «não» ga­rante ga­nhos de efi­ci­ência e efi­cácia para o Poder Local, «não» res­peita a von­tade dos ci­da­dãos, «não» traduz qual­quer ganho para o erário pú­blico e «não» con­templa qual­quer be­ne­fício para as po­pu­la­ções e para a or­ga­ni­zação do Poder Local.

Os au­tarcas en­tendem ainda que qual­quer mo­delo de Re­or­ga­ni­zação Ad­mi­nis­tra­tiva das Fre­gue­sias deve ser pre­ce­dido ou, no mí­nimo, acom­pa­nhado «de le­gis­lação re­gu­la­dora das com­pe­tên­cias pró­prias das fre­gue­sias e dos res­pec­tivos meios fi­nan­ceiros». De igual forma, de­verá «aus­cultar as po­pu­la­ções», ser «pro­ta­go­ni­zada pelos au­tarcas» e «vin­cular os seus pa­re­ceres e su­ges­tões».



Mais artigos de: Em Foco

Este País também é para jovens!

O ob­jec­tivo de en­cher o Largo Ca­mões, em Lisboa, es­ta­be­le­cido pela In­ter­jovem/​CGTP-IN para a ma­ni­fes­tação na­ci­onal de jo­vens tra­ba­lha­dores re­a­li­zada no sá­bado, foi cum­prido. Vindos de todo o País e dos mais va­ri­ados sec­tores de ac­ti­vi­dade, mi­lhares de jo­vens per­cor­reram as ruas da Baixa lis­boeta di­zendo bem alto que re­jeitam o con­vite do Go­verno para emi­grar e que não de­sistem de viver e tra­ba­lhar no seu País – com di­reitos e com sa­lá­rios dignos.